19/07/2013

NOTURNO

É de noite que meu coração bate
entre as horas mais brandas das trevas
aonde todo corte é profundo...aonde arde...

Aonde o gemido da dor é o que sente
por onde corre o sangue das veias
aonde há morte, aonde há lodo...aonde fede...

Aonde, até aonde o podre da carne
por onde vazam as entranhas das ceias
se desdobra, até aonde enlouquecido se chegar no cerne...

E ao corroer-se, comove-se e bebe
num único gole a fina fatia da vida...
e toma-a, perturba-a e a dissolve...

Na fria calada da noite...
Aonde a escuridão é humana...
Aonde a água da chuva te inunda e te aquece...

Na crua quietude da noite...
Aonde a luz da lua ilumina...
Aonde há sombras e, a psique da alma enlouquece...

(Daniel Palacios)

27/02/2013

COMO MORDER TUAS MAÇÃS?















Como beber ilusões com a boca das memórias?
como caminhar com as sobras pelas ruas dos excessos?
como seguir sem flutuar, sem ressoar as chamas?
como cogitar alimentar as vidas do depois
se é no hoje que vive a minha fome, como insetos
cheirando as tangerinas e as framboesas?

Desapareço nos tecidos das buzinas e das coleiras
sombras agudas enrugam as esperanças
mas acontece que não sou de vinganças
meu peito compõe esculturas em terrenos baldios
vou morrendo nos rios dos sentimentos tardios.

Como desfilar tremeluzindo essa vida?
como atravessar as pontes escuras?
como morder tuas maçãs, criatura
se sou traço e círculo ventante
se sou esse ser tão minguante
tão errante?

Como foi que desaprendi?
como foi, se ainda escrevo esse poema
e se por baixo do vestido as pernas estão trêmulas
neste entardecer que não era de palavras?
como, se nada mais restava?

(Flávia Soufer)

17/01/2013

ANTEVISÃO

sou todo... em partes
fragmentos de matéria prima
fartos de mim mesmo
aonde petrifico, morro e vivo
ao acaso do acaso do acaso...
em nada fico...passo!!!
por mim mesmo e vou...

(Daniel Palacios)

CORDAS DO CORAÇÃO

Cordas do coração,
ah...esse comboio!!!
invadindo a noite,
e alimentando as feras...
que vivem soltas por debaixo dos panos...
prontas para saltar por fora da boca...
arrepiando os pêlos da nuca,
os dentes à mostra...de dor, a canção...

Corte entre meu peito aberto,
coberto de pus, de sangue, de ácido
inundando o vermelho de paz...
acalentando o pranto de menino,
que de tanto chorar,
nem soa tão só...Homens!!!
Crianças de uma Terra insólita,
agonizando em Caos!!!

Como se, entre as ondas da solidão,
os cantos distantes das águas,
ocultassem algum cadáver...
quebrando e batendo nas rochas de sal...
esculpindo com ventos os fósseis que tangem...
uns com os outros...trazendo mensagens...

Cordas que vão se rompendo,
ferrugem, vento e cada vez mais sal...                  

(Daniel Palacios)

11/12/2012

ESPERA

Entre uma respiração e outra curvo meu olhar estreito.Limite do amargo , intervalos da ausência.
E nesse áspero das horas ,falta a pele dele para afundar o meu corpo, cadência que sussurrava na pontas dos dedos.
Gosto borrifado nos lençóis, nos isentávamos dos limites e deitávamos as urgências no descomunal do explícito .
Nada restava de sóbrio no fugidio de nossas vontades, nos pelos eriçados e nas mãos que se comprimiam.
Porta fechada.
Dúvidas estáticas na sua demora.Permito a espera que por vezes arde em descompasso.
E no acostumado da memória ,sinto ainda a intimidade repousada, vez em quando me ausento numa tentativa de desprender o caminho de nós dois.

(Eliana de Oliveira Santos)

03/12/2012



















O NADO DA DOR

Sou um conto de dores
com luz de abajur.
Sou uma cascata de choros
sobre um rio de gozos.

Dois remos cansados
em águas febris.
Infindo nado noturno
entre laços naufragados.

No intervalo das gotas
pelos cotovelos sangradas
emudeço...
escorro nua pelo silêncio.

(Poema: Flávia Soufer / Ilustração: Sérgio Dassie Genciauskas)

29/11/2012


SEGUNDO A FLOR DA MINHA PELE

O que sou de mim
eu nunca quis
ser diferente
do que de mim sou
Em ter-me preto a minha pessoa,
dentes e cabelos
Também e assim é
pelo que se vê
pessoa minha de pés enorme
das vistas vê-lo
e também as chagas
De deixar-se pensar em se deixar
a tempos, corpo, sorte
e modo de viver
no éter da matéria
Do que em mim há
por minha pessoa preta
Assim e também é
por pessoa minha primeira
que por dentro em mim sou
de gente que não se é de ser
de sentir-se gente
Pelo que de preto
cabelos, dentes e pessoa é
De pessoa sem imagem,
Malogro,
e benquista pelas calçadas,
a vagar sonhos, mundos
e buracos de vida
Também e assim é
que de não em vida ser mais
restou-me em existir
do que de mim carrego
por menos que me seja o ser
sou o mesmo que me suporto
De sonho a dor,
em primeira pessoa,
do que de mim sou,
segundo a flor da minha pele
No que eu nunca quis
ser diferente
do que sou de mim.

Eduardo José Nascimento, Recife, 1999.
POEMITO SEM COMPROMISSO

Te amo com a força dos meus nervos
Um coisa trêmula de ser
Um desatino febril
Te amo com tanto medo
que por vezes meu desespero
se aquece sentindo frio

eu mesmo dia desses , SP, que tb pode ser novembro de 2012.

(Eduardo Monga)

26/11/2012

O que você faria se só te restasse um dia ?
Se o mundo fosse acabar.

Amanheceria em risos
brincando em poças d'água.

Despindo -me
das mesmices

Meu amor o que você faria se só te restasse um dia ?
Se o mundo fosse acabar .

Alinhavava os versos
soltos e inacabados

Sem sustos percorreria atalhos
contornando bocas alheias

Meu amor o que faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar.

Meu amor o que faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar.

Esquentaria as palavras
desatando todos os nós
em abraços

Meu amor o que faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar.

Escorreria
em orgasmos múltiplos

E adormeceria impune
com as mãos no colo.


(Eliana de Oliveira Santos)


29/10/2012

DEUSA MÃE

Aquela das águas e das rosas
Aquela dos ventos e das brisas
Aquela das raízes e das terras férteis
Aquela dos fogos que aquecem e iluminam
Aquela dos segredos e dos medos
Aquela das tempestades intensas
Aquela dos suspiros infindos
Aquela das viagens insólitas
Aquela dos versos líricos
Aquela das magias das liras
Aquela dos tsunamis e dos redemoinhos
Aquela dos mistérios beijáveis
Aquela das festas das ervas
Aquela dos horizontes e das margens
Aquela dos perfumes interiores
Aquela dos vultos dançantes
Aquela dos sorrisos sagrados
Aquela que vem e que salva.

(Flávia Soufer)

05/10/2012

MINHA CABEÇA ESTREMECE

Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes sangra e canta.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.

Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

- Era uma casa - como direi? - absoluta.

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

(Herberto Hélder in "Ou o Poema Contínuo", 2001)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer


26/09/2012

JUVENTUDE

Grito, por dentro calado
No cerne sinto o ardor
Prostrado em meus devaneios
Permaneço...
Fitando o muramento e discorrendo

Como pôde, o destino ser assim tão atroz
Me alvejando direto no ventre
Com seu olhar angelical
E o sorriso infernal
A brisa, a penumbra, tudo me recorda a ti

Feito truão perco meu comedimento
Obro como néscio, mesmo atinando
Incapaz de evitar, as dúvidas me alagam
Como posso eu, ser pechoso, granjeá-la?
Teria ela desvelo por minha pessoa?

Ou seria apenas um clichê comportamental
Daqueles que exibimos rotineiramente
No caso dela, costumeiramente
Afinal, tal venustidade
Certamente atrai sobejo postulantes

Mas, mesmo que a quimera não torne-se régia
Que o anseio não seja abrandecido
Ei de lembrar-me daquela noite
De teu riso, de seu olhar primoroso
Teus lábios portentosos

E, claro, de teu encantamento
Tua voz, tão afável
Na sapiência de que a perfeição não existe
Minha mente insiste em reverberar
"És perfeita"

E quando estou amparado em meus alicerces
Confiante de meus preceitos
Eis que teu vulto irrompe
Levando ao chão todo meu cosmo
Abalando cada corpúsculo de meu ego

A incerteza prepondera...


(Carlos Henrique Vicente)

19/07/2012

(IN) CONSEQUÊNCIA

Eu tentei ser humano mas não pude
Esta cova de vícios me enterra
Andando frio e escalpado nesta terra
Não há um só remédio que me cure

Um espírito desenganado, manchado e rude
Perambulando nos confins desta terra
Insatisfeito por eras e eras...
Não há um só lugar que eu não mude

Ser ninguém é meu costume
Nunca fui sendo ser
Já não vejo e deixei de crer:
Não há um só amor sem ciúme

(Eduardo Monga, SP, março de 2012.)

18/07/2012

ELA, AOS TRINTA E TRÊS

Ela havia imaginado tudo bem diferente.
Ainda com este Fusca enferrujado.
Uma vez, quase casou-se com um padeiro.
Antes, costumava ler Clarice, depois, Cabral.
Agora ela prefere resolver charadas na cama.
Dos homens, não tolera abusos.
Por anos foi petista, mas à sua maneira.
Nunca recortou cupons de desconto em jornais.
Quando pensa no Afeganistão, passa mal.
Seu último namorado, o intelectual, gostava de apanhar.
Vestidos de batique esverdeados, largos demais para ela.
Pulgões nas folhas da samambaia.
Na verdade, queria pintar, ou emigrar.
Sua tese, Conflitos religiosos no Nordeste, 1889
a 1930, e suas marcas na música popular:
bolsas, começos, e uma gaveta cheia de notas.
De vez em quando, sua vó manda-lhe dinheiro.
Danças acanhadas no banheiro, caretinhas,
horas de hidratante ao espelho.
Ela diz: pelo menos não morrerei de fome.
Quando chora, fica com cara de dezenove.

(Hans Magnus Enzensberger. Tradução e Contextualização de Ricardo Domeneck)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer

13/06/2012

APONTAMENTO

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmo, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

(Álvaro de Campos)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer