22/02/2012

 UM VERSO CANTANDO RECIFE

Antes mesmo que amanheça
e a troça me procurar à concentração
Já anda em fervor meu coração
Como uma tocha de frevo acesa

Uma magia imersa
Tão natural como daqui ser
Já incluído no ritmo antes de nascer
E já passista antes que cresça

O passo na letra do contrapé
Um verso cantando Recife
Um tal de um disse me disse
Durante o grito de Evoé

Se Baco entre nós ainda estivesse
Nestas terras de Pindorama
Estaria entre nós tomando cana
e cantando frevo nuns botecos desses

Este sentimento me cobre de alegria
Envolve-me como um possuído
Que esta paixão vem desde menino
Que passa o ano esperando o dia

Olho na rua e esta chama contamina
O povo todo se ilumina
como se fosse uma lâmpada
As cores assim como as rimas
Vão tomando todas as ruas
E eu seguindo a dança tua
Sabendo que um dia vai acabar em purpurina.

(Eduardo Monga)
ANIVERSÁRIO

Se eu tivesse coragem suficiente,
para mostrar ao mundo quem sou,
não pensaria na dor de dente,
que em meu ciso agora pousou.

Se eu fosse talvez mais covarde,
do que hoje talvez já eu sou,
não fosse talvez menos homem,
da voz em que meu eco ecoou.

Se a roupa dos panos que visto,
servissem pra cobrir quem escondo,
não teria me avistado eu nú,
homem-besta vazio de sentidos.

Se eu sentisse talvez pouco ou muito,
as sutilezas deste mistério profundo,
talvez desejasse sincero e pudesse talvez ficar perto,
deste oco que me trouxe no mundo.

Trinta e três anos de vida,
agruras da lida e da dor,
mas também fé e alegria,
em algum canto ela está e, eu estou.

Respiro este ar poluído,
porque dele também parte faço,
em minhas tripas me agarro e vomito,
o que ontem eu era e hoje sou.

Homem de máquina grito,
o silêncio de um homem robô,
assombro, pavor, calafrio,
é apenas ausência do amor.

E se hoje eu clamo às estrelas,
é porque nelas eu vejo a luz,
mortas à espera do caos,
daquilo que um dia eu já fui.

Muro de escombros pesados,
que já pesaram toneladas demais,
não sei como comigo lhe trago,
até não poder nunca mais.

Melhor esquecer do passado...
mas como se dentro ele vive,
se dói, se corrói, carcomido
maldito em minha dor de dente?

(Daniel Palacios)

15/02/2012

A SERENATA

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobro
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
— só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?        

(Adélia Prado)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer


















Foto Poesia
(Marco Pezão)

14/02/2012

ILUSÃO ALCÓOLICA I

Vi, em plena Boa Vista
Uma estrela cadende passar por minha vista
Mas rapaz, porra nehuma
... Era um guardanapo que caia do prédio Tabira
Prefiro que outra pessoa recite um poema
No momento estou o bastante decepcionado.

(Eduardo Monga, Recife, 1998. Em plena Conde da Boa Vista.)
DANÇA DO SOLILÓQUIO DOS VENCIDOS

Perdido em minhas andanças
quase que como um náufrago,
trafego nesta rua escura chamada esperança.
Esperando não sei o que... talvez algo ou alguém para lutar...
pra que? por que? e por quem?

Se fui, ou se sou eu, já não sei mais,
mas aqui estou para me dizer...
frente a frente de mim mesmo...
que fui... e, voltei há pouco...
e, sim, EU SOU...sou eu mesmo... somente isso!

Venhas me ver,
não tenhas medo de se me olhar no espelho...
Eu sou você...você sou eu
E de mãos dadas, na madrugada....
dançamos a dança do solilóquio dos vencidos.

(Daniel Palacios)

13/02/2012

DAR VOZ AO POEMA:

Sarau "A Plenos Pulmões" - Casa das Rosas
11 de fevereiro de 2012


RIO DE VERTIGEM

À beira da morte,
nas rajadas das sombras
o meu temor entorpecido
desarma-se agora,
justamente quando ferido,
calado aos gritos.
Sem tempo, nem espaço,
em silêncio eu declaro
os escândalos que exalo.
Lapso do tempo
esquiva-se da vida
mas agoniza com brilho,
algo ainda viceja
- em mim, eu vi -
e assim escorre.
Sangra para renascer,
faz amanhecer a vida
para beber até engasgar.
Ora navegar, ora mergulhar...
Afogar-me nesse rio de vertigem,
em presentes segundos
embriagar-me com o elixir da ventura
e sorrir um descarado deboche
para os perigos de morrer
mais uma vez.

(Flávia Soufer)
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)
- Referência poética enviada por Daniel Palacios