31/01/2012

ACHADOS E PERDIDOS

Procura-se Cultura, uma criatura nutrida.
Vangando gorda pelos cantos.
De tempos em tempos se alonga,
n'outas vezes se comprime, exausta,
com um monte de sanguessugas grudados nela.
Foi vista pela última vez em poder da burguesia
sob a influência dos pseudos intelectuais.
Qualquer informação cultural já é um grande resgate.

(Eduardo Monga)

19/01/2012

UMA BORBOLETA

Uma borboleta pousou em meu ventre.
Dissimulada, fez de brincar e cedi.
Refletida no olhar, assimilou meus sonhos e foi embora feliz.
(Rafael Bacciotti)

18/01/2012

XXI - SE EU PUDESSE

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe uma paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

(Poemas Completos de Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos)
- Referência poética enviada por Rafael Bacciotti

17/01/2012

SABENÇA

Sou fragmento
Potente e encantado

Fragmento
Indecente e descrente

Sou inteiro
Puro e vincado

Inteiro
Obscuro e duro

Todo,
Não sei se sou.
Parte,
Se sou não sei.

Sou feito de palavra e tempo.
Sou feito de coisas nascendo no silêncio.

Das metades que me faltam sei,
Sei que todo não sou.

De infinito sou feito, eu sei,
Sei que parte apenas nunca serei.


(Adalto Fonseca Jr)

16/01/2012

ESTE É O PRÓLOGO

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma...

(Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
Tradução de Oscar Mendes)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer
NATUREZA ÍNTIMA

Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!

Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!

E a Natureza disse com desgosto:
"Terei somente, porventura, rosto?!
"Serei apenas mera crusta espessa?!

"Pois é possível que Eu, causa do Mundo,
"Quando mais em mim mesma me aprofundo
"Menos interiormente me conheça?!"

(Augusto dos Anjos)
- Referência poética enviada por Daniel Palacios
BORBOLETA NEGRA

Dança fatal
num vôo funesto.
És tu,
borboleta negra.

Que nos assobios do vento
traz os meus assombros e destroços.
Que na austeridade das tuas asas
estampa o meu número: trinta e três.

Entre oceanos e abismos, céus e trevas...
És tu no espelho, bem diante do meu rosto
afrontando o meu medo de expor nos olhos
o meu próprio medo resguardado.

Só não confundo-te com um corvo assassino
porque ainda voas como quem dança
e na ponta dos pés, posaste no meu âmago
diante de todas as minhas raízes imersas.

(Flávia Soufer)
DA LIBERDADE EM MOVIMENTO

Crescendo... pulsando a célula ritmica,
é que meu corpo sente a trajetória,
de algo que foi..., mas que ainda está por vir...

Ruminando...rusgas de meu passado,
é que calo com a voz de meus ecos,
e sinto algo que vai...e, que está prestes à explodir...

Roendo...como fazem os ratos,
é que trago no peito o chiado,
e sinto algo que cai... e, que um dia há de cair...

Tragando...na fumaça do mato,
é que vem o desejo de fato,
de um dia ser livre para ver e ouvir...

Sons, cores, gestos, amores...

(Daniel Palacios)
Bateu uma vontade de disparar, atirar mesmo. Não quero matar ninguém, não me leve a mal. Mas preciso disso.
Jogar tudo que está do lado de dentro para o lado de fora, sem medo. 
Como tudo que é velho, que se acumula, meus sentimentos ficam guardados no fundo de um armário. 
E com o passar do tempo, como objetos, ficam empoeirados.
Descobri só agora, com sua ajuda, que isso faz mal, depois de tanto tempo...
Como? Como alguém que já sofre de rinite não se deu conta?
 
(Rafael Bacciotti)

09/01/2012

DAS METÁFORAS

A Cidade é carnívora,
A Cidade é máquina inorgânica
É planta. É minério
A Cidade é máquina orgânica e estranha

Ora cinzenta e morta, ora colorida e viva.

Agressiva
Comedora de almas

A cidade mineral e corroída

Seus espinhos de aço ferem a alma já devorada do incauto cidadão.

(Adalto Fonseca Junior)
DA DOÇURA

Romã
Saci-Pererê
A manhã doce de um dia de chuva
Na rua pequenas poças turvas viram alegres pântanos.

(Adalto Fonseca Junior)
DA DOR

E tudo dói concretamente.
A dor corrrói.
Sulca o homem.
Sulca o solo da cidade.
Com bile amarela e negra.
A bile dos pobres humanos.
Desenha em seus corações marginais,
Com o féu de nós mesmos,
Um viés ocre,
Urbano.
Dor de si, miserável dor, sulcando todas as vidas.
Agora o dia se faz e se refaz em nossas mentes, em nossos corpos que perecem
Sob o sol nessa abóbada suja somos todos apenas loucos e vulneráveis.

(Adalto Fonseca Junior)
O QUE HÁ NO ESPELHO?

Sua carta ainda não lida.
Nossa despedida.
A frágil corrente.
Seus elos partidos.
A faca, seu fio e a dor.

(Adalto Fonseca Junior)
O QUE HÁ NO RETRATO?

A estrada até o oceano.
Pedras margeando o caminho.
Nossos laços desfeitos.
Nosso deserto.

(Adalto Fonseca Junior)
Se fado for
Se for noite
Mesmo se a estrada acabar em trator raiz
E a janela em deserto
O gado não pedra o espinho.

(Adalto Fonseca Junior)
Se desventura for
Se for morte
Mesmo se o infinito acabar em vida
E a alma em busca
A resignação não pausa a dor.

(Adalto Fonseca Junior)