22/03/2012

OUTRO OUTONO

Outono é partida.
É calar-se, despir-se.
Outono é silêncio.
É romance, é poesia.

É estar no aconchego.
É o fechar das cortinas
para abrir, dentro de si,
suas próprias janelas.

Outono é a saudade
num copo de uísque.
É um pedaço que vai
para que outro venha.

Outono é meio amarelo,
meio marrom, meio laranja.
Cores caem, deslizam
pelo chão novos horizontes.

Outono é espera,
é ler as entrelinhas pelo ar.
Outono é busca e esperança,
é o mais profundo da alma.

Outono é canção úmida.
Escuro vento que seduz.
Outono é renascer
quando tudo parece morrer.

(Flávia Soufer)
ANNABEL LEE


Há muitos, muitos anos, existia
num reino à beira-mar
uma virgem, que bem se poderia
Annabel Lee se chamar.

Amava-me, e seu sonho consistia
em ter-me para a amar.
Eu era criança, ela era uma criança
no reino à beira-mar;

mas nosso amor chegava, ó Annabel Lee
o amor a ultrapassar,
o amor que os próprios serafins celestes
vieram a invejar.
       
Foi por isso que há muitos, muitos anos,
no reino à beira-mar,
de uma nuvem soprou um vento e veio
Annabel Lee gelar.

E seus nobres parentes se apressaram
em de mim a afastar,
para encerrá-la numa sepultura,
no reino à beira-mar.
      
Os anjos, que não eram tão felizes,
nos vieram a invejar.
Sim! Foi por isso (como todos sabem
no reino à beira-mar)
       
que um vento veio, à noite, de uma nuvem
Annabel Lee matar.
Mas nosso amor, o amor dos mais idosos,
de mais firme pensar, podia ultrapassar.
       
E nem anjos que vieram nas alturas,
nem demônios do mar,
jamais minha alma da de Annabel Lee
poderão separar.
        
Pois, quando surge a lua, há um sonho que flutua,
de Annabel Lee, no luar;
e, quando se ergue a estrela, o seu fulgor revela
de Annabel Lee o olhar;
       
assim, a noite inteira, eu passo junto a ela,
a minha vida, aquela que amo, a companheira,
na tumba à beira-mar,
junto ao clamor do mar.

 
(Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa.)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer

09/03/2012

AOS PEDAÇOS...DE MIM

A mulher, tão bela Deus a fez em sua carne
que de Adão e da tal costela, mal consigo me lembrar da esfera,
só me lembro das mil faces das pagãs Afrodite, Hera, Perséfone, Lilith e Eva.

Lembro somente das tuas curvas que um dia
tive ao meu lado por prazer em minha cama
dos crimes que cometemos e, das juras de amor que me fazias.

Insano, venho eu a me perder em minhas memórias
no doce mel que de tua gruta úmida escorria...
e me ofertava, banhando-nos em gozos de paixão e de luxúria.

Mulher...ó, mulher... que dos teus beijos
guardo somente o gosto amargo e a desventura
de percorrer-me todo no teu corpo, rio de almas nuas e impuras.

Me perdendo na imensidão de teus e meus desejos
encontrei-me qual cego tateando, a mais bela flor e o espinho
e me cortei...e, por certo hoje sei... não há nem mapa, nem caminho.

Uma esfinje, que a quem olha, em pedaços...se lhe devora
ante o abismo de léguas e mil léguas submarinas
entre lâminas de lendas infinitas e estórias incontadas.

E, se algum dia ainda hei de entender que bicho é esse,
será quando a morte vir beijar a minha fronte
e tu serás para mim, ainda mais vã, mais bela e doce.

Espero-te, teus sussurros a profanar meu túmulo e irromper a minha paz
pois de mim mesmo já parti e, o meu resto, em ruínas aqui jaz,
só restando ao pó do tempo as romãs e as heras ...ó pedaços de mim.


(Daniel Palacios)