19/07/2012

(IN) CONSEQUÊNCIA

Eu tentei ser humano mas não pude
Esta cova de vícios me enterra
Andando frio e escalpado nesta terra
Não há um só remédio que me cure

Um espírito desenganado, manchado e rude
Perambulando nos confins desta terra
Insatisfeito por eras e eras...
Não há um só lugar que eu não mude

Ser ninguém é meu costume
Nunca fui sendo ser
Já não vejo e deixei de crer:
Não há um só amor sem ciúme

(Eduardo Monga, SP, março de 2012.)

18/07/2012

ELA, AOS TRINTA E TRÊS

Ela havia imaginado tudo bem diferente.
Ainda com este Fusca enferrujado.
Uma vez, quase casou-se com um padeiro.
Antes, costumava ler Clarice, depois, Cabral.
Agora ela prefere resolver charadas na cama.
Dos homens, não tolera abusos.
Por anos foi petista, mas à sua maneira.
Nunca recortou cupons de desconto em jornais.
Quando pensa no Afeganistão, passa mal.
Seu último namorado, o intelectual, gostava de apanhar.
Vestidos de batique esverdeados, largos demais para ela.
Pulgões nas folhas da samambaia.
Na verdade, queria pintar, ou emigrar.
Sua tese, Conflitos religiosos no Nordeste, 1889
a 1930, e suas marcas na música popular:
bolsas, começos, e uma gaveta cheia de notas.
De vez em quando, sua vó manda-lhe dinheiro.
Danças acanhadas no banheiro, caretinhas,
horas de hidratante ao espelho.
Ela diz: pelo menos não morrerei de fome.
Quando chora, fica com cara de dezenove.

(Hans Magnus Enzensberger. Tradução e Contextualização de Ricardo Domeneck)
- Referência poética enviada por Flávia Soufer